Foto: Wilian Aguiar/ Divulgação
Para variar, essa história já deveria estar no Blog há dias, mas... Não me estenderei em justificativas.
Fiquei maluca ao descobrir que o Marcelo Gomes dançaria com a São Paulo Companhia de Dança nos dias 26 e 27 de agosto no Teatro Alfa, em São Paulo. Os amigos sabem que quando o assunto é ballet - e, claro, não estou no papel de jornalista - sou tiete sem dó. Não sosseguei até comprar o ingresso. Contei até com a ajuda da 'santa chefe' para retirá-lo em um ponto de venda autorizado.
Escolhi a sexta para assisti-lo; iria com algumas alunas. Mas, no fim, apenas a Laura me acompanhou. E começa a confusão... Como motorista, dou para o gasto. Problema mesmo é minha inteligência espacial ou, melhor, a falta dela. Imaginava estar segura; nada daria errado, afinal, o GPS me ajudava. Errado. Acredite, usá-lo é uma arte, pelo menos para mim.
Sabia a metade do caminho, entretanto, resolvi 'escutar' a mocinha do GPS desde o ponto de partida. Após muitas trapalhadas, chegamos na Marginal Pinheiros. Ufa! Faltavam apenas nove minutos até o teatro. Estávamos superanimadas, pois tínhamos cerca de 40 minutos até o início do espetáculo. E, então, a bateria do aparelho acaba. A Laura liga para a Marília, minha grande amiga, que começa a nos ajudar.
- Onde você está, Ju?
- Na Marginal.
- O que você está vendo?
- Tem uma placa sentido Morumbi. Mas a última mensagem do GPS mandava virar à direita.
- Não, Ju, segue em frente que você está certa.
É lógico que eu não estava. Para resumir, entrei em uma pequena rua e ao ver um taxista não tive dúvida: "O senhor pode me guiar até o Teatro Alfa?" O tempo não passava, corria. E o desespero aumentava. "Vou chorar. Mas, calma, ele deve ser o último número, não?" Chegamos ao Alfa 15 minutos atrasadas. Ao subir as escadarias vejo pelo monitor um casal fazendo reverence. O coração vem até a boca. "Perdemos o Marcelo. Não acredito." Estava tão alucinada que não percebi um detalhe: a túnica da bailarina era curta. Já o figurino feminino de
Tchaikovsky Pas de Deux - ballet que Marcelo dançaria com Paula Penachio - é comprido.
Ao sentar, pergunto para a senhora ao meu lado: "Por favor, esse foi o Marcelo Gomes?" E ela responde: "Não sei." Após eternos segundos, a confirmação: "Não, ele é o terceiro." Preciso falar o tamanho da minha alegria?
Perdi
Legend (1972), pas de deux coreografado por John Cranko, que teve como solistas Luiza Lopes e Norton Fantinel. Pena. Entretanto, cheguei a tempo para
Inquieto, contemporâneo de Henrique Rodovalho. Mas a coreografia seguinte é o tema deste post.
No livro
Santa Evita, o autor Tomás Eloy Martínez escreve: "Essa, pensava eu, é a desgraça da linguagem escrita. Pode ressuscitar os sentimentos, o tempo passado, os acasos que enlaçam um fato a outro, mas não pode ressuscitar a realidade." Assim, temo não fazer jus ao que vi.
Já na entrada do pas de deux deu para notar que a noite seria deles. O primeiro port de brás (movimento de braço) de Paula me encantou. Ela irradiava felicidade, talvez por dançar com Marcelo. O amazonense é uma estrela, e este não é comentário de fã. Segundo o New York Times, o primeiro bailarino do American Ballet Theater é um dos poucos a reunir três qualidades imprescindíveis: além de ótimo bailarino, é excelente partner e ator.
Para a bailarina, isso nem sempre é algo bom. Usando um jargão da dança, quando o bailarino é um virtuoso pode 'engolir' a mulher em cena. Não foi o que aconteceu. Paula deu conta - e muito bem - do recado.
Tchaikovsky, coreografado por Balanchine, é um pas de deux difícil, cheio de idas e vindas. A solista não falhou. O casal esteve tecnicamente impecável. Mas essa não foi a melhor parte.
Paula e Marcelo mostraram grande afinidade. No palco, pareciam se amar de verdade. Não sei como isso nasceu. Imagino que tiveram pouco tempo de ensaio. A única certeza é que durante oito minutos - tempo da coreografia - os dois me sacudiram, me fizeram chorar, rir e querer levantar da poltrona. Há muito tempo queria me sentir assim.
A plateia os aplaudiu em pé. Após a reverence, Paula ajoelhou na frente de Marcelo, segurando suas mãos. Parecia não ter palavras para agradecer. Rapidamente ele a fez levantar. Deu um abraço gostoso e apertado na pequena. Depois, entregou as flores que recebeu para ela.
No dia anterior tinha assistido ao
Lago dos Cisnes com o Kirov. Confesso que, apesar da beleza, produção e técnica impecáveis, os russos não 'mexeram' comigo da mesma forma que Paula e Marcelo. Até pensei estar exagerando. Por sorte, meu amigo Erinaldo - que não poupa críticas a ninguém - sentiu-se do mesmo modo que eu!
A noite terminou com a boa estreia de
Supernova, do alemão Marco Goecke, e com a volta tranquila para casa. A essa altura ainda estava sob o efeito Tchaikovsky, Marcelo e Paula. Quando a arte - dança, música, cinema ou o que for - causa esse tipo de reação em mim, fico ainda mais emocionada por me achar abençoada e privilegiada. Penso que é o meu momento de entrar em contato com algo divino.